1) Primeiramente, você poderia se apresentar, por favor? E talvez falar um pouco sobre sua história com RPGs e com a abordagem freeform.
Meu nome é Norbert Gerald Matausch. Sou alemão e vivi nos Estados Unidos por alguns anos. Sou designer de jogos e cheguei a vender alguns profissionalmente. E amo jogar RPGs. Mas ser autor de RPGs não é minha principal atuação profissional. Eu sou um pastor em um templo livre – eu caso pessoas. Essa é minha profissão e minha paixão. Também sou instrutor de estilos de luta baseados em auto-defesa. Minha jornada com RPGs começou em 1984, quando minha avó me comprou a 1ª edição de Das Schwarze Auge (The Dark Eye). Em 1989 a 1ª edição de Shadowrun foi publicada e permanece até hoje como um dos meus cenários favoritos de todos os tempos. Em 1991 Amber Diceless surgiu e mudou tudo para mim. Desse ponto em diante eu mestrei todos meus jogos a partir de uma abordagem freeform e praticamente sem rolagem de dados. A Free Kriegsspiel Revolution é um resultado direto disso.
2) Baseado nisso, você pode dizer mais sobre a ideia por trás do “Free Kriegsspiel Revolution”?
FKR simboliza o desejo de retornar a uma era mais simples, antes mesmo do surgimento do D&D. É o desejo de usar todos livros, todos filmes, todas tirinhas cômicas, toda peça artística como cenário e, então, simplesmente jogar. Antes do surgimento do D&D todos roleplayers jogavam dessa forma pois não existiam regras publicadas. FKR, para mim, é liberdade e alegria, a liberdade de jogar como quando éramos crianças – só que (esperançosamente) com conteúdos e comportamentos mais maduros.
3) É perceptível certo incômodo ao se falar sobre FKR na cena OSR – ao menos no caso brasileiro, onde tenho mais inserção. Quais são, na sua opinião, as diferenças e semelhanças entre os movimentos OSR e FKR?
Ohh rapaz, que questão difícil! Mas deixe-me tentar: na minha percepção pessoal o OSR, ou a maior parte do OSR, está tentando emular um estilo de jogo testemunhado nos primeiros dias do D&D, ou Traveller, ou algum outro dos primeiros RPGs. O que a OSR NÃO está tentando fazer é ir ainda mais para trás, a um tempo em que simplesmente não havia OD&D, Traveller ou qualquer outra coisa. E é isso que a FKR está fazendo; nós estamos indo muito atrás em uma cronologia RPGística e estamos re(vivendo) o que os primeiros roleplayers faziam: escolha um cenário e elabore regras ou arbitragens quase que na hora. Jogos FKR não emulam regras de edições antigas pois elas não haviam sido publicadas ainda.
4) Lembro de ler no Reddit o testemunho de alguém que jogou uma experiência “arnesoniana” e que a percepção que ele(a) teve era como se estivesse em um jogo (eletrônico) com a opção “No-HUD” (Heads-Up Display – Tela de Alerta) ligada, com imersão plena na narrativa – os jogadores não precisam lidar com números, somente com a narrativa. Isso me levou a refletir, mas não é necessariamente o caso com a FKR, não é? Existem regras sendo aplicadas nos bastidores – a questão é que elas não são para os olhares dos jogadores, para que eles possam experimentar uma experiência de imersão plena. O que você acha sobre isso?
Sim, certamente. Você tem razão. Em jogos FKR existem regras, mas elas não existem para os olhares dos jogadores no sentido de que os jogadores não precisam conhecê-las, e o mestre não precisa apresentá-las a eles. Isso é feito com uma premissa em mente: manter a imersão a mais profunda e plena possível. Todos os antigos (oldtimers) com quem conversei me disseram que eles tinham as regras em suas cabeças, mas não sobrecarregavam os jogadores com elas. Isso requer muita confiança entre jogadores e mestre – e acho que por essa razão a FKR não é para todo mundo. Pessoalmente eu não me incomodo de revelar aos jogadores algumas das regras. Mas isso pelo motivo de que jogamos juntos desde 1989; nós somos amigos, e eles cresceram em contato com diversas regras. Então, para satisfazer sua “gula” por regras, eu ocasionalmente explica algumas das regras que estiver usando em uma dada aventura.
5) Muito obrigado por concordar em responder minhas questões! Com isso, vamos para a última: o que você espera ver no futuro do movimento FKR?
Seria incrível se conseguíssemos que mais pessoas simplesmente jogassem, sem se preocupar tanto com livros de regras. A imaginação é a maior força do universo e ela te permite, se estiver disposto, a alçar longos voos. Seria o máximo ver mais pessoas jogando, e eu penso de crianças a idosos. Eu gostaria de ver crianças jogando RPGs em seus mundos favoritos, e gostaria de ver idosos em casas de repouso jogando em seus mundos favoritos. Jogar é liberdade. Nos conecta como seres humanos, abre nossos corações.
Thasa, muito obrigado por isso. Fico contente que você esteja conosco! É bom ter você.
excelente entrevista, poderia ser mais longa. complementa bem o podcast do café com dungeon sobre o FKR. isso me gerou tantas outras perguntas sobre como podemos vivenciar plenamente a criatividade através de jogos mais livres.
ResponderExcluirPoxa, que bacana que curtiu! Quem sabe não chamo o Matausch para um 2º tempo eventualmente. =)
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