sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Teste de Atributo no D&D Old School

Saudações masmorreiros e masmorreiras!

Hoje trataremos um assunto relativamente polêmico: Testes de Atributos/Habilidades no D&D old school.

Há um certo consenso na comunidade OSR de que um dos trunfos da jogabilidade old school é o fato de que testes de habilidade não são requeridos, o que é reforçado pelo fato dessa mecânica inexistir nas versões antigas de D&D. Mas será que é isso mesmo? Há controvérsias. E o ponto gerador de confusão é esse aqui:

B/X Expert

Na página 51 do livreto Expert do D&D B/X, de 1981, escrito por Dave Cook, na entrada Climbing/Escalada, o autor explica a diferença entre a habilidade própria ao Ladino, de escalar superfícies lisas e a habilidade, inata a todos seres humanos (e mesmo não-humanos) minimamente capacitados fisicamente, de escalar coisas.

Mas, ele não para por aí. Cook sugere - assim mesmo, em tom de recomendação - que seja feita uma rolagem de Destreza confrontada com o valor desse atributo do personagem: em outras palavras, há sucesso quando o resultado da rolagem for igual ou inferior ao atributo, a mecânica roll under. Adicionalmente, o próprio Tom Molvay, no livreto Basic (página B60), da mesma série, diz o seguinte:

B/X Basic

O tom utilizado por Moldvay alinha-se ao de Cook. Ambos optam por oferecer essa mecânica como um conselho, uma sugestão ("recommended", "may want") e não como uma regra definitiva.

Testes de atributo só realmente ganham um caráter afirmativo de regra com o suplemento de AD&D Dungeoneer's Survival Guide, lançado em 1986 e de autoria de Douglas Niles. O livro trás o seguinte texto, em sua página 12:

AD&D Dungeoneer's Survival Guide

Antes disso, porém, de forma paralela (pois remetendo a uma mecânica singular, que não encontrou desenvolvimento posterior) em 1984, no livro Companion (página 9 do livro 1) da coleção realizada sob a curadoria de Frank Mentzer, conhecida como BECMI, trás a seguinte mecânica de ability check (com o termo destacado em negrito):

D&D BECMI, Companion

Interessante notar que a escolha de palavras, também aqui ("may apply") evidencia seu caráter opcional, como sugestão de uso. Pesquisando em fóruns de RPG pode-se constatar que essa mecânica, também conhecida como Xd6, parece ser bastante popular entre jogadores mais antigos.

Veredito?

Parece-nos evidente que, em suas primeiras aparições o Teste de Habilidade figurava como uma regra opcional. Só posteriormente que ela passa a ser encarada como regra oficial. 

Porém, não deixa de ser curioso notar que, em um recente e muito elogiado retroclone de D&D B/X, o Old-School Essentials, a mecânica de testes de habilidade roll under surge como regra oficial - ou quase isso.

Old-School Essentials

O autor, Gavin Norman, diz que a utilização ou não dessa mecânica fica a encargo do DM. Porém, deixa bem claro que, seguindo o critério de "balanceamento", optou por mantê-la (textualmente, diz que optou por não excluí-la). Essa opção, parece-nos, vai contra o espírito do Quick Primer, do Matt Finch. Ainda que esse manifesto tenha sido escrito tendo em mente o OD&D em mente, ele, de certa forma, condensa o espírito do OSR.

Em oposição a essa decisão editorial do OSE, o Labyrinth Lord, que é um retroclone do mesmo D&D B/X, opta por incluir o teste de habilidade como opcional. Abaixo destaco o trecho do Advanced Labyrinth Lord (página 107), mas que também está presente na versão original (versão não-Advanced, página 55).

Labyrinth Lord

A decisão editorial tomada no LL parece-me mais acertada e mais alinhada à forma como o jogo era jogado à época - e mesmo se não fosse esse o caso, nada nos impediria de descartar isso, pois não é pelo fato de ser antigo, seguindo essa hipótese, que é necessariamente melhor. Essa talvez seja, na minha opinião, o principal vacilo do OSE. Que, certamente, não apaga seus muitos méritos e, no fim das contas, deixa a decisão final nas mãos do DM - o que acaba por atenuar a questão.

Curiosamente, outro conhecido retroclone desse mesmo sistema, o Lamentations of the Flame Princess, opta por uma rota alternativa: simplesmente ignora a mecânica de teste de habilidade. Tanto no livro do Rules Book quanto no Referee Book não há qualquer menção a ela.

Caso tenham alguma opinião distinta sobre a questão, deixe um comentário abaixo e bora puxar um debate, pois creio ser esse um ponto bastante importante - e, certamente, polêmico - do estilo old school.

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

D&D Moleque

Saudações masmorreiros e masmorreiras!

Hoje falaremos sobre, adivinhem... RPG. Mas não sobre qualquer tipo de RPG, mas sobre o RPG old school, da velha-guarda. Ainda está meio vago, pois essa é meio que a temática central do blog. Eu sei... serei mais específico.

Falaremos hoje sobre esse projeto doido chamado D&D Moleque, tocado pelo pessoal do Regra da Casa. e do Câmara Obscura - um crossover por eles alcunhado de Regr'Obscura. O projeto é tocado pelo seguinte time: Rafael Balbi, Diego Bassinello, Gustavo Tertoleone, Carlos Silva e João Zeigler.


A ideia do projeto é promover um tour pelos módulos clássicos de D&D utilizando o sistema B/X (Basic/Expert, de 1981), que é um dos favoritos do pessoal inserido do universo OSR - este escriba incluso nessa parada! 

Atualmente o pessoal está utilizando o os livros do B/X, a caixa preta da Grow (que é basicamente a mesma coisa) e o retroclone Labyrinth Lord (já mencionado anteriormente no blog). Mas o Diego Bassinello disse pra mim, em um grupo de Facebook, que, para a 2ª temporada, migrarão para o Old-School Essentials (também já mencionado anteriormente - e, aliás, já fiz o pedido dos livros físicos! assim que chegarem rolará uma review detalhada).

1ª Temporada: The Lost City

A 1ª temporada explorou (ainda que o pessoal tenha adotado uma abordagem mais livre, não necessariamente se restringindo ao módulo em si - o que acho sensacional) o módulo clássico B4 - The Lost City, escrito por Tom Moldvay (o mesmo designer do livreto Basic de 1981). A 1ª temporada, que daqui algumas horas ganhará o seu 10º e final episódio, pode ser acessada por meio desse link. Não canso de recomendar essa série entre meus amigos!

Coincidentemente, a aventura escolhida, The Lost City, foi anunciada como a próxima a ser relançada pela Goodman Games, na sequência de Keep on the Borderlands, Isle of Dread e Expedition to the Barrier Peaks, na série Original Adventures Reincarnated, que visa adaptar módulos clássicos para a 5e.


Enfim, pontuadas essas informações, o que falar sobre o D&D Moleque em si? E, já adianto, daqui em diante serei bastante parcial. O D&D Moleque é, na minha opinião, o melhor produto de RPG disponível no YouTube (o que, hoje em dia, de certa forma é um micro/macrocosmo da internet, ao menos em sua dimensão audiovisual).

Sessão de Jogo (actual play) OSR

Do ponto de vista pessoal o timing é perfeito, pois, apesar de ter uma experiência relativamente longeva com D&D (comecei na 2e), fui recapturado pelo hobby durante a 5e e estava muito contente com o sistema. Até que, ao jogar e, principalmente, mestrar, suas limitações foram aparecendo... o que me colocou à busca de algo, que não sabia dizer exatamente o que era, mas que só fui realizar quando realmente havia encontrado: o universo OSR. Não como algo em si mesmo, mas como a possibilidade de emular uma experiência alicerçada nos fundamentos da jogabilidade old school (que busquei esboçar em uma série de textos do blog).

Um dos grandes problemas do OSR é que, apesar da experiência de jogo ser fantástica para quem está na mesa, pelo próprio pressuposto da narrativa emergente, pode ser que não se torne necessariamente algo empolgante para o espectador. Vide as muitas sessões de OSR disponíveis no YouTube, que se separam em duas categorias: 1) sessões via Roll20/Fantasy Grounds, com o jogo reduzido a experiência gráfica bastante limitada dessas plataformas ou 2) sessões via Hangouts extremamente tediosas de assistir.

E isso levando em conta também o conteúdo em língua inglesa. Em português é muito mais escasso e acaba se reduzindo ao conteúdo produzido justamente pelos envolvidos nesse projeto: Ouro & Glória, Dungeon Crawl Classics, Espadas Afiadas & Feitiços Sinistros etc - que são o padrão de ouro desse tipo de produção em língua portuguesa (e, quiçá, no geral), inclusive.

O D&D Moleque, enfim, mostrou ser possível replicar a experiência mais genuinamente inerente ao RPG - em termos filosóficos, sua especificidade, ou seja, aquilo que só ele, e nenhuma outra forma de linguagem pode oferecer: meios para o surgimento de uma narrativa emergente orgânica e empolgante. E como essa experiência é entregue - penso agora mais especificamente no D&D Moleque? Creio que por meio do estilo extremamente acertado, mais intimista, propiciado pelas escolhas estéticas (posicionamento das câmeras, filtro, posicionamento dos jogadores, rolagens em aberto no dice tray centralizado - pra ficar somente em alguns exemplos), e, como resultado, acabamos por experimentar, juntamente com os jogadores, o surgimento espontâneo dessa narrativa emergente.


2ª Temporada e Além - Financiamento Coletivo

Por esses motivos não acredito ser despropositada minha empolgação pelo anúncio da continuidade desse projeto. Mas seus integrantes, com a louvável postura da busca incessante por aprimoramento, resolveram dar início da uma campanha de financiamento coletivo para viabilizar um modelo sustentável para a continuidade do projeto (a 1ª temporada foi custeada pelos próprios, com os gastos discriminados e elencados aqui).

Como garantir a continuidade do projeto?

Em função de tudo isso já dei meu apoio ao financiamento coletivo do D&D Moleque que, como se isso por si só não bastasse, separou uma série de brindes fodásticos para os apoiadores. Em algumas horas o projeto já bateu 67% da meta inicial. Que venham as metas adicionais! Esse pessoal merece demais.

Para os amantes de OSR, ou de RPGs em geral, pois creio que há muitas possibilidades de aprendizado contidas nessa mesa, independentemente de qual seja seu estilo favorito, o link do financiamento coletivo é esse AQUI.

Vida longa ao D&D Moleque! Vida longa ao D&D old school!

terça-feira, 26 de novembro de 2019

DCC RPG: livros físicos

Saudações masmorreiros e masmorreiras!

Conforme anunciei em postagem anterior, adquiri o combo promocional da editora New Order de todos seus materiais lançados para Dungeon Crawl Classics no Brasil.


Eventualmente farei uma review mais completa. Em relação ao material que recebi o que achei bacana é que o kit de dados é completo, não restrito somente aos "dados estranhos".


Agora só falta testar o sistema em mesa presencial!

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

DCC RPG: O Portal Debaixo das Estrelas

Saudações masmorreiros e masmorreiras!

Para meu jogo de estréia no Dungeon Crawl Classics eu optei por mestrar a aventura O Portal Debaixo das Estrelas.

Segui de forma bem padrão as indicações do livro e da aventura (que está inclusa, junto com outras duas, no próprio livro - em contraponto ao D&D, que desde o AD&D inicia a tradição de separação do conteúdo core em três livros, o DCC adota a ótima prática do livro único, ainda que um calhamaço!

Quatro jogadores, quatro personagens para cada um gerados aleatoriamente (rerrolando o "1" de HP até uma única vez), totalizando 16 aventureiros nível 0 em busca de ouro e glória - mas mais propensos a encontrar sofrimento e morte, faz parte!


One Shot: O Portal Debaixo das Estrelas

A aventura em si transcorreu de forma bem tranquila. Todos os jogadores já são familiarizados com D&D moderno, então não tivemos nenhum problema em relação às mecânicas. No final sobreviveram 6 personagens, sendo que o evento mais assassino da masmorra foi o esvaziamento da piscina que acarretou em um colapso da mesma, levando muitos personagens para o Além.


Os jogadores acabaram por contornar o cômodo com a cobra (fecharam a porta imediatamente assim que a avistaram - talvez eu devesse ter feito ela surpreender o grupo furtivamente!) e, em função disso, deixaram de aprender um pouco mais sobre a história da masmorra, o que é sempre interessante.

Mas, no geral, foi uma experiência bem divertida, apesar do estranhamento, por parte dos jogadores em relação ao conceito de aventura funil. No fim creio que o objetivo original dessa abordagem foi alcançado, pois os sobreviventes passaram a ser vistos pelos jogadores como postulantes a heróis como resultado das ações realizadas DURANTE o jogo (e não antes dele, como os RPGs modernos pressupõe).

Como abordei na última postagem, o DCC RPG passa por um momento de transição no país, com a troca da editora responsável e, diante da aguardada exposição prolongada que nosso hobby ganhará devido à chegada da tradução do D&D 5e pela Galápagos, nada mais justo que esse fantástico sistema ganhe seu espaço sob os holofotes, pois pode ser uma excelente porta de entrada para toda uma geração de novos jogadores ao RPG old school!

Dungeon Crawl Classics: passado e futuro

Saudações masmorreiros e masmorreiras!

Ontem joguei pela primeira vez (mestrei, se a ideia é prezar pela literalidade) o Dungeon Crawl Classics. Conheci o jogo por meio da campanha Salada de Ratos, desenvolvida e conduzida pelo Mestre Balbi, no canal do Azecos.

Confesso, que o meu primeiro contato, nos idos 2017, não foi dos mais positivos. Claro, muito engraçado e bacana de assistir, porém, à época, não julguei ser uma preferência na hora de escolher o meu sistema de jogo.

Olhando retrospectivamente consigo perceber que isso se deve ao fato do estilo de jogo que eu buscava emular. O DCC RPG estimula um jogo com uma aura permanente de mistério, acenando para o estilo de weird fantasy. Enfim, hoje falaremos uma coisa ou outra sobre esse intrigante sistema.


Mas o que é Dungeon Crawl Classics?

Para quem não conhecer ainda, esse sistema é publicado pela Goodman Games, em uma espécie de releitura do famoso Apêndice N (lista de influências do Gary Gygax que levaram à criação do D&D) valendo-se, do ponto de vista mecânico, do chassi do D&D 3.5.

O nome surge inicialmente de uma série de aventuras com uma forte pegada old school que foram publicadas a partir de 2003. O Dungeon Crawl Classics RPG, porém, só foi lançado em 2012. Uma características bastante marcante desse sistema é o uso dos "dados estranhos" (ou dados Zocchi), que consistem em: d3, d5, d7, d14, d16, d24 e d30 - fora os outros dados (não menos estranhos para uma pessoa não familiarizadas com RPGs) com os quais já estamos acostumados.


Uma questão que acaba vindo a tona quando se discute sobre DCC é o elemento cômico, gonzo, que costuma emergir nas sessões de jogo. Ainda que não exista nenhuma diretriz que induza a isso no livro, parece-me que isso acaba decorrendo da própria natureza da aventura funil. O humor acaba por funcionar como uma forma de estabelecer um distanciamento oportuno em relação aos personagens, para que suas - inevitáveis - mortes não sejam experimentadas de forma dramática e, potencialmente, para alguns, traumática.

Como a ideia é que todos se divirtam, creio que o humor inerente ao DCC acaba sendo um dos seus pontos fortes, pois não há como negar que situações verdadeiramente cômicas eventualmente ganham centralidade.

Minha experiência com DCC (primeiro como espectador e, agora, como participante) praticamente se reduz a aventuras funil, então essa percepção não possui uma dimensão generalizadora. A expectativa, porém, é que campanhas mais longas acabem por permitir o aparecimento de um tom mais dramático (e, por consequência, mais "sério").

DCC RPG no Brasil

O jogo chegou aqui, por meio de uma campanha de financiamento coletivo capitaneada pela Editora New Order. Mas algumas polêmicas acabaram por eventualmente demarcar o fim do licenciamento do DCC sob a tutela da New Order.


Mas não deu nem tempo dos fãs ficarem tristes, pois logo na sequência a Goodman Games soltou um comunicado dizendo que o jogo permaneceria por aqui e logo descobriu-se ser a Sagen Editora que adotaria esse sistema, a partir de 2 de dezembro de 2019. O Diogo Nogueira, que foi quem realizou a tradução do livro do sistema, chegou a soltar uma postagem sobre a questão (não deixem de verificar  também a excelente review realizada pelo próprio mestre Nogueira sobre o DCC RPG).

Sem entrar muito na polêmica, a New Order prometeu coisas que não podia, o que criou problemas com a dona do DCC. E, paralelamente a isso, os fãs brasileiros reclamaram muito do fato de que os dados estranhos, marca registrada desse sistema, não foram encampados pela editora, forçando-os a optar pela importação - que é demorada e cara.

A expectativa é que a Editora Sagen consiga explorar ao máximo o amplo potencial desse sistema. Também cabe acrescentar que, no site da New Order, o Livro + 6 aventuras + escudo do juiz + kit de dados estranhos estão em promoção, caindo por 300 reais + frete. Aproveitei a oportunidade e comprei!

Veredito

Bom, conforme eu disse no início da postagem, a minha primeira impressão do DCC RPG não foi das melhores. Mas hoje percebo que estava muito imerso em uma visão "moderna" (pra não dizer narrativista e alimentar essa permanente polêmica) do que seriam RPGs.

Como hoje tendo a uma visão que privilegia um estilo de jogo old school, que busca promover o surgimento de uma narrativa espontânea (ou emergente) durante a própria sessão de jogo, devo dizer que gostei bastante do sistema e que pretendo utilizá-lo outras vezes no futuro!

Cheguei até a cogitar utilizá-lo para minha futura campanha de Barrowmaze (que logo receberá uma postagem dedicada), mas estou mesmo tendendo ao D&D B/X, pois acho que para o estilo de jogo que o módulo pressupõe (e que eu quero promover por meio dele) este sistema funciona melhor.

Mas já comecei a esboçar algumas ideias de uma campanha de Sword & Sorcery (Espada & Feitiçaria) que gostaria de mestrar e DCC RPG é o sistema definitivamente utilizaria nela! Mas e quanto a você, quais suas experiências com Dungeon Crawl Classics?

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Raça como Classe

Saudações masmorreiros e masmorreiras!

Hoje abordaremos um tópico que era relativamente trivial nas edições mais antigas de D&D, mas que hoje, devido os caminhos percorridos pela evolução do hobby, tornou-se bastante polêmico: o conceito de raça como classe.

Raças no OD&D

No OD&D, ou D&D Original, lançado em 1974, as classes são dividas da seguinte forma. Classes principais: 
  • Fighting-men
  • Magic-Users
  • Clerics
Ou seja, guerreiros (ou algo próximo), magos (ou, mais literalmente, usuários de magia) e clérigos. Mas, adicionalmente, lista-se as seguintes classes/raças:
  • Dwarves
  • Elves
  • Halflings
E, na sequência, há a famosa indicação de que não há motivo impedindo que os jogadores escolham outras opções. E cita, como exemplo, a possibilidade de jogarem com um Dragão, mas devidamente escalonado (é sugerido o uso de um Dragão Jovem).

Os anões só podem ser guerreiros, possuem limitação de nível (6º), mas a eles são concedidas algumas vantagens pontuais. Os elfos podem ser guerreiros ou magos e possuem a habilidade de alternar entre ambas as classes. E, por fim, os halflings (após uma indicação irônica, do tipo, "se é que alguém vai querer ser um") funcionam de forma parecida com que os anões, mas possuem uma limitação de progresso ainda mais significativa (4º nível).

No suplemento I de OD&D, intitulado "Greyhawk", outras classes, como o Thief (Ladrão) e o Paladino (que era uma possibilidade para personagens Leais). E alguns ajustes nas opções inicias são sugeridos.

O AD&D, lançado em 1977, seguiria o caminho hoje mais conhecido por todos: o de separar as raças e classes (agora expandidas com Druidas, Patrulheiros, Ilusionistas, etc), aumentado as possibilidades de combinações possíveis entre elas - o que só não é totalmente verdade pois manteve-se a ideia de colocar restrições de acesso a determinadas classes por algumas raças.


D&D Básico

O D&D Básico, o leitor do blog já está ciente disso, possui diferentes versões. Na primeira delas, a desenvolvida por J. Eric Holmes também em 1977, começa a indicar uma mudança mais significativa em uma direção contrário, que só realmente ganhará maior consolidação na versão de D&D Básico apresentada por Tom Moldvay em 1981.

Essa versão, composta ainda pelo livreto Expert, de David Cook, compõe o famoso D&D B/X (Basic + eXpert), que atualmente fornece base para alguns dentre os mais populares retroclones (Labyrinth Lord, Lamentations of the Flame Princess e Old-School Essentials - para ficar só nos mais conhecidos).

Nela, as raças disponíveis aos jogadores são assim listadas já no índice:
  • Clerics
  • Dwarves
  • Elves
  • Fighters
  • Halflings
  • Magic-Users
  • Thieves
Clérigos, Guerreiros, Magos e Ladinos são classes restritas a humanos. Se algum jogador(a) optar por ser humano(a), poderá escolher dentre essas quatro opções. Caso opte por ser um não-humano (chamado de demi-humans), terá ainda as escolhas adicionais de anões, elfos ou halflings à disposição.

E, ao contrário do OD&D as raças não dão acessos a determinadas classes: elas são, em si mesmas, as classes. Cada uma possui um flavor próprio. Elfos são uma espécie de guerreiros/magos; anões são guerreiros com experiência em masmorras e halflings são guerreiros com alguns bônus específicos (melhores em se esconder, atacar de longe e contra criaturas grandes, basicamente).

Como as classes possuem requisito de experiência diferenciado entre si, isso permitiu aos desenvolvedores balancear  o possível desiquilíbrio que ofereciam em níveis baixos. O Anão começa melhor que o Guerreiro, mas, por sua vez, evolui mais lentamente. E, assim como no OD&D, alcança o nível "limite" antes que os humanos - o que se observa em geral nessa edição.

O que os humanos têm de tão especial?

Esses dados todos parecem indicar certa predileção, ou favorecimento, dos desenvolvedores em relação aos personagens humanos. Seria isso, simples assim? Ou há algo mais por trás? Acertou quem chutou na segunda hipótese!

Apesar do próprio Gary Gygax ter dito mais de uma vez não ser tão fã assim de Tolkien, de ter colhido suas referências em outros autores de literatura fantástica (Robert Howard, Jack Vance, etc), um pressuposto desenvolvido pelo escritor sul-africano e que se tornou uma espécie de fundamento desse gênero é o de que o presente da narrativa pressupõe uma espécie de Era dos Homens (no caso de Tolkien, a Terceira Era).

Em outras eras outras raças, ainda existentes, como os anões e os elfos, alcançaram seu apogeu e, atualmente, vivenciam o seu lento declínio - o que abre espaço para o protagonismo dos seres humanos. Que são, em geral, tidos como seres valentes e ambiciosos (o que é, simultaneamente, seu grande trunfo e grande defeito) e que preenchem o centro do palco da narrativa.

Isso remete, parece-me, aos próprios mitos do mundo real que versam sobre antigas civilizações altamente desenvolvidas (Atlântida, Lemúria, etc), que encontraram seu apogeu e subsequente declínio. E a força desses mitos, espécies de parábola que adverte sobre os riscos do abuso do poder, faz-se presente até os dias atuais - ainda que nem sempre consigamos rastrear suas origens, posto que perdidas na imensidão do tempo.

Essas razões, parece-nos, ajudam a compreender a razão da centralidade de seres humanos no D&D. O que começa a ser relativizado quando se percebe que havia grande atração, por parte dos jogadores, de poderem optar por raças exóticas, mais estranhas mesmo que os demi-humans, como genasis, tieflings, devas, etc.



O que nos leva a um grave problema de worldbuilding, pois, como justificar a coexistência cosmopolita de todas essas raças em um mesmo local? Eu disse problema, mas isso não traduz bem a questão. A questão é que isso acaba pressupondo que todo cenário seja (ou, ao menos, possua uma região/cidade com essas características - que é como resolvi isso no meu cenário, especificamente) a típica metrópole cosmopolita, o que acaba por afastar bastante o tom que as edições antigas procuravam emular.

Culturas Abertas/Fechadas

Outra questão que nos parece relevante é o fato de que a ideia de raça como classe acaba por reforçar um importante aspecto do worldbuilding: o fato de que as culturas não-humanas possuem grande coesão e que, no geral, os indivíduos apresentam uma identidade relativamente una.

Em oposição aos humanos que, seja lá por que motivo (em geral, a ambição - que, como vimos, pode ser boa ou ruim - ou ambos), expandem seus territórios (o que também é possível devido a uma capacidade significativa de reprodução - o que é outro lugar-comum da fantasia, o fato de que anões e elfos se reproduzem mais lentamente) e, como resultado, a cultura de cada região/povo torna-se diferenciada.

Particularmente acho interessante essa ideia. Que ajuda a resolver alguns problemas que tive na criação do meu cenário: o fato de não visualizar o sentido de um Elfo Bárbaro - por exemplo. Mas, adotando as regras opcionais presentes no Old-School Essentials Advanced, é possível incorporar ambos os conceitos de forma simultânea!

Assim, seria possível tanto a existência (predominante) de Elfos típicos (Guerreiros/Magos), como alguns indivíduos que, [insira sua backstory aqui] acabaram por se tornar Bárbaros. Ou Monges. Ou Clérigos. É para essa direção que tendo a caminhar: raça como classe é a regra, o que não inviabiliza (e até, pelo contrário, acaba por valorizar, realçar) exceções.

Dúvidas, sugestões de temas a serem abordados, ou caso queiram simplesmente dar um alô, é só deixar um comentário abaixo. Até a próxima!

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Old-School Essentials no Brasil!?

Saudações masmorreiros e masmorreiras!

Recentemente o mestre Rafael Balbi, na seção de comentários da sua excepcional mesa presencial D&D Moleque (quem ainda não conferiu está, provavelmente, infringindo algum mandamento do culto greyhawkiano) soltou uma informação que eu já tinha ouvido em outro lugar: de que o recém-lançado Old-School Essentials, retroclone de D&D B/X de que já falamos aqui no blog, ganharia uma versão em português!

Busquei dar uma sondada no Discord oficial e o próprio Gavin Norman (que já havia me respondido anteriormente, quando questionei sobre a possibilidade de incluírem uma ficha do OSE no Roll20 - parece um cara extremamente acessível e bacana), o criador desse retroclone, confirmou que SIM, está em negociação com uma editora brasileira para viabilizar isso!

Um bom ótimo momento para a cena local RPGística, hã?


ATUALIZAÇÃO: o autor anunciou a data para o início das vendas dos livros físicos (no link da Necrotic Games, já indicado acima). Com os pedidos do Kickstarter já despachados, a partir do dia 15 os livros - seja na versão de múltiplos livretos ou na versão de tomo único - poderão ser encomendados a partir desta data, em sua versão em inglês.


Esperamos poder, o quanto antes, trazer a notícia do lançamento em português!


segunda-feira, 4 de novembro de 2019

D&D 5e old school? (2ª Tentativa)

Saudações masmorreiros e masmorreiras!

Bom, como anunciei na postagem anterior, esboçarei aqui o conjunto de regras da casa que pretendo utilizar na próxima campanha que mestrarei para emular um estilo de jogo mais velha-guarda (ou old school). Optamos por utilizar a 5e com adaptações que emulem esse estilo. A ideia é nos valermos do melhor dos dois mundos.
As adaptações são as seguintes (notem que muitas regras da casa já estão presentes na postagem anterior dedicada ao tema, mas optei por repeti-las para ter a compilação completa em um único local):

1) Mecânicas
  • XP = Tesouro: Cada 1 de Ouro que o grupo levar para a civilização, ganham 1 de xp. Contam como Tesouro: Moedas, Gemas e Jóias. XP necessário para subir de nível dobrado.
  • Iniciativa Alternada: Faz uma disputa inicial pra ver quem começa, os jogadores ou os inimigos. Talvez uma competição de Iniciativa entre o de cada grupo que tiver o maior bônus. Daí as ações são alternadas. Age um do grupo, um dos inimigos, e assim vai alternando. Se sobrar componentes após a alternância, eles agem em conjunto - pra valorizar a superioridade numérica.
  • Testes de habilidade: se ambos jogadores forem proficientes, podem fazer a rolagem e o maior resultado obtido prevalecerá. Uma rolagem baixa, caso a pessoa seja proficiente, não automaticamente corresponde a uma falha (somente uma falha crítica), mas sim que levará mais tempo (quanto tempo a mais, a depender da rolagem) levará para completar a tarefa; se a tarefa em questão for urgente, isso significa que não será concluída a tempo.
  •  Testes reativos: Percepção, Investigação, Furtividade - serão rolados pelo DM.
  •  Crítico: causa dano máximo + dado de dano.
  •  Magias: o conjurador pode usar mais de uma magia por rodada, desde que uma seja ação e a outra ação bônus e desde que uma delas seja um truque ou uma magia até 2º círculo.
  • Magias não-preparadas: é possível conjurar uma magia não-preparada, mas o seu custo é dobrado (2 slots do mesmo nível ou 1 slot superior), há uma chance de x-em-6 (x= nível da magia) que ela falhe (e, se falhar, rola um d100 na tabela de Efeitos Selvagens).
  • IluminaçãoLight, Dancing Lights e Create Bonfire/Produce Flames (2 usos) agora são magias de 1º Círculo; Continual Flame é de 3º Círculo.
  • Alimentação: Goodberry é de 2º Círculo e Creature Food and Water é de 3º . O antecedente Forasteiro tem a probabilidade de encontrar recursos aumentada; não automática.
  • Abrigo: Leomund's Tiny Hut é de 4º Círculo e Magnificent Mansion é de 8º.
  • Sobrecarga: regra variante (PHB, p. 176).
  • Talentos (feats): não utilizaremos essa regra opcional.
  • Counterspell: o caster detecta a utilização de elementos verbais, somáticos e/ou materiais. Para detectar mais minuciosamente, é preciso fazer (como uma ação livre), um Teste de Inteligência (Arcanismo). Se o caster possuir a magia em sua lista, o teste é feito em vantagem. A depender do resultado, o caster descobre: 10+ A Escola da magia / 15+ O nome da magia / 20+ O nível em que a referida magia está sendo conjurada.
  •  Dispel/Counterspell em níveis mais altos: quando gasto slot de nível mais alto, para cada 2 níveis, soma-se +1 na rolagem de modificador de habilidade mágica. Exemplo: 5º slot +1; 7º slot +2; 9º slot +3.
  • Proficiência Engenhosa: você ganha um número de pontos de proficiência igual ao seu modificador de Inteligência (dividido por 2 caso este seja o seu atributo arcano). Os pontos podem ser gastos da seguinte forma:

  • Poções como ação bônus: administrar uma poção para si próprio consome só uma ação bônus (ou a ação, como o jogador preferir). Fornecer a poção para um terceiro continua consumindo uma ação.
  • Hit Dice: quando upa, o jogador rola o dado correspondente à classe (+ modificador de CON) e adiciona-o ao hp total; se a rolagem for menor, vale a metade.
  • Descanso Longo: recupera 1/2 Hit Dice + mod. de CON por dia completo (24 horas) de descanso. Só pode ser realizado em "abrigos seguros" (um local seguro, confortável e tranquilo - geralmente, mas não exclusivamente, cidades) [duração de magias ampliada na seguinte proporção: 1 minuto = inalterado / 10 minutos = 1 hora/ 1 hora = 8 horas / 24 horas = 1 semana].
  • Descanso Curto (1/dia): 8 horas. Se gastar um uso do Kit de Cura, pode usar 1 Hit Dice em Pontos de Vida [sem armadura]. E dá acesso a um conjunto de Efeitos de Repouso (são um conjunto de efeitos criados para utilização em paralelo com Gritty Realism [DMG, p. 267], sem penalizar tanto as classes conjuradoras).
  •  Dano massivo: quando levar um dano igual ou maior à metade do HP, o alvo precisa passar em uma Salvaguarda de Constituição DC 15 ou sofrer algum efeito aleatório previsto na tabela (DMG, p. 273).
  • Morte: quando um personagem cai a 0 HP fica inconsciente. Com HP negativo, rola o Hit Dice de sua classe + mod. de CON e, se tirar acima do dano negativo, sobrevive (1 HP; 1 Nível de Exaustão; Salvaguarda de CON DC 15 ou rolar em Machucados Persistentes - d20 [DMG, p. 272]), do contrário, morre. Caso sobreviva, pode valer-se desse subterfúgio uma vez por descanso longo.
  • Ressurreição Limitada: cada criatura tem "3 vidas". Ou seja, quando uma criatura é trazida de volta à vida, um dos boxes de Death Save fica automaticamente marcado como falho. Quando isso acontecer 3 vezes, aí já era. A única forma de trazer de volta à vida é por meio da magia Wish ou True Resurrection. Nesses casos (e somente neles), a criatura volta com as "3 vidas" completas.

2) Classes
  • Feiticeiro: Sorcerer Revised (fan-made). Que, basicamente, concede magias adicionais em determinados níveis (1, 3, 5, 7, 9), a depender de sua Origem.
  • Patrulheiro/Ranger: substituído pelo Revised Ranger (UA oficial). E, ainda que certamente Patrulheiros são excelentes guias, não são infalíveis.

3) Mecânicas (DM)
Ao contrário do item 1), nesse listo as mecânicas que utilizarei da perspectiva do gerenciamento do jogo.
  • Rolagem de Reação: nem todo encontro é hostil.
  • Teste de Moral: nem todo combate é travado até a morte.
  • Rolagem de Navegação (Wilderness) e Monstros Errantes (Dungeons e Cidades - esta com mais possibilidades de encontros sociais).
  • Regras para Evasão/Perseguição: incorporação de um sistema estruturado para evitar o combate.
  • Gerenciamento do tempo: sobretudo em dungeons, utilizando uma unidade de medida de tempo (1 turno = 10 minutos) para inserir o gerenciamento do tempo como algo significativo.

E, paralelamente a isso, adoção de um tom mais old school, fazendo do mundo um lugar dinâmico e conferindo peso para as ações dos jogadores e seus desdobramentos sobre o mundo.

Basicamente é isso. A mecânica de morte, especificamente, foi sugestão de um dos jogadores e acho que ficou bastante elegante.

D&D B/X (One-Shot): Na Tumba do Rei-Serpente

Saudações masmorreiros e masmorreiras!

Ontem jogamos uma One Shot utilizando D&D B/X (por meio do retroclone Old-School Essentials) e creio que o resultado foi bastante positivo! Mas creio também que não utilizarei esse sistema na próxima campanha que mestrarei.

Primeiramente, o sistema é compacto, leve, ágil e elegante. Não há como negar! Mas, na prática, algumas mecânicas soam um pouco estranhas (como utilizar Salvaguarda contra Petrificação para desviar de uma armadilha que é um martelo de pedra que se solta do teto, como indicado na já mencionada Tomb of the Serpent Kings - que foi a aventura introdutória que utilizei, reduzindo-a a parte do 1º piso e com algumas modificações leves). E, no fim, os jogadores ficaram relativamente frustrados com a falta de opções disponíveis (esse foi o caso especificamente do Guerreiro - e não sei se há como culpá-lo!).


Porém, no início da sessão fiquei com a sensação de estar testemunhando algo épico, significativo. O grau de atenção que a possibilidade concreta da morte induziu aos jogadores foi algo fenomenal! Não consigo recordar de ter me divertido tanto em uma sessão de RPG. Porém, a diversão foi sendo atenuada no que, talvez, tenha sido um erro estratégico da minha parte.

Minha ideia inicial era utilizarmos personagens nível 1 - como sugerido na dungeon. Mas, após ler essa postagem, mudei de ideia. E resolvi "escalonar" os desafios da dungeon para personagens nível 5 (na verdade, optei por conceder 20.000 de XP para todos, o que, exclusivamente para o Ladino, significou nível 6).

Mas, pouco antes do início da sessão, tive a ideia de criar rapidamente 4 personagens (2 Guerreiros e 2 Ladinos) nível 1, para que os jogadores iniciassem a exploração com eles e, eventualmente, morressem, para, num segundo momento, voltarem à dungeon com os personagens mais experientes.

O resultado foi que os jogadores pareceram chateados de perderem seus personagens. E um deles conseguiu escapar com sua Ladina com vida! Utilizei isso para fazê-la voltar ao bando de mercenários informando o acontecido, criando o pretexto para a nova expedição com os aventureiros mais experientes.

A segunda expedição, então, acabou soando meio artificial. Com os personagens mais fortes tive dificuldade para transmitir a sensação de desafio real, de iminência de morte. Exceção feita ao combate final, com o "Ogro Homem-Cobra", que ameaçou fazer um grande estrago no grupo. Mas, como eles haviam sido inteligentes e economizaram recursos, possuíam várias magias para lidar com o desafio e conseguiram cegá-lo (Luz Contínua), mudando o rumo do combate.

Então, apesar de ter cometido alguns vacilos, a experiência me permitiu os seguintes aprendizados:
  • Mais que as regras, o objetivo é emular uma forma de jogabilidade alinhada aos princípios do old school gaming.
  • Para encontrar os jogadores no meio do caminho, penso ser plausível adotar a 5e, ainda que devidamente adaptada para emular essa experiência.

Nesse sentido, inspirado pela sessão de ontem estou finalizando o meu "hack" da 5e e já posto aqui no blog!

Pontos de Experiência (XP) por Ouro!

Saudações masmorreiros e masmorreiras!

Com essa postagem encerra-se o primeiro esboço de delinear os fundamentos do old school gaming, indicados originalmente aqui.

Dedicamos postagens específicas para aprofundar sobre os seguintes tópicos: o mundo como um lugar maravilhoso e misterioso; aventuras conduzidas pelas ações dos jogadores; combate como algo contornável; morte como uma possibilidade concreta e, finalmente, encerrando a série, tratamos sobre a evolução dos personagens.

Estamos habituados, hoje, a atribuir pontos de experiência por monstros derrotados (ou, em alguns casos mais raros, a encontros superados - o que abre margem para pensar formas alternativas de lidar com os encontros que não necessariamente o combate, como a diplomacia).

Em alguns casos, de forma bastante intensa nas aventuras oficias para a 5ª edição, sugere-se a utilização de milestones, espécie de check-points narrativos que demarcariam a evolução dos personagens pautada no desenvolvimento da narrativa oferecida pela aventura. Essa abordagem, ainda que a princípio mais interessante que o simples método de atribuir experiência (XP) por monstros derrotados, também possui seus problemas.

Talvez o principal sendo o caráter arbitrário de somente recompensar os personagens se seguirem um roteiro mais ou menos engessado definido previamente. Claro que, na medida do possível, os jogadores possuem autonomia e liberdade para lidar com os conflitos da forma que acharem mais conveniente, mas corre-se o risco de, ao fazerem isso, deixarem a narrativa "em suspenso" e congelarem momentaneamente sua evolução - que só seria desbloqueada quando retomassem o fio da meada narrativa.

Motivação!

Uma das grandes armadilhas das edições modernas de D&D é a questão da motivação dos jogadores. Quando concede-se aos jogadores muita liberdade e pouco direcionamento no momento de criação dos personagens, não raro surgem situações bizarras e, potencialmente, desagradáveis.

É o típico caso dos "aventureiros não-aventureiros". Os personagens que rejeitam entrar em aventura por não "visualizarem" seus personagens devidamente estimulados para tal. E, vejam, por mais que isso seja uma atitude que poderia até ser considerada como uma forma de "anti-jogo", vou fazer o advogado do diabo e defender - em termos - a nefasta figura do "aventureiro não-aventureiro".

As aventuras - pensando aqui centralmente as oficias - da 5ª edição muitas vezes pressupõe uma relação umbilical entre os personagens e a narrativa. E, nesse sentido, neglicenciar esse passo no momento da criação de personagem acaba criando a situação supracitada de alienação em relação àquelas questões que a narrativa toma como essenciais.

Coisas Brilhantes!

Tudo bem. Então uma solução seria, no momento da criação de personagens levar em conta possíveis vínculos dos personagens com o(s) conflito(s) central da aventura. Algumas das aventuras oficias, inclusive, fornecem opções desse tipo em seus apêndices. A aventura pressupõe impedir os planos maquiavélicos do Culto do Dragão? Em seu leito de morte seu pai revela-se um ex-membro arrependido co Culto e o incumbe de fazer o que ele não foi capaz: impedir o Culto - e direciona-o a um local de interesse, a cidade de Greenest (que é onde inicia a aventura Tyranny of Dragons).

Mas e o sistema de XP por Ouro? Não soa muito forçado isso? E, além de tudo, reducionista? Em vez de salvar o mundo, meu personagem dedicará suas energias em uma busca egoísta por tesouros? Quando indagado sobre isso Gary Gygax disse que, se fôssemos aventureiros, o que nos motivaria mais a sair em aventuras, explorando antigas tumbas, senão tesouro, riquezas?


E, mesmo que, eventualmente, tenha-se uma motivação mais nobre, como construir um orfanato, há ainda a necessidade de dinheiro para a realização dessa tarefa (ao menos o custo em materiais, pressupondo-se mão-de-obra voluntária, o que é um pouco mais complicado de imaginar em um contexto medieval que o atual, mas vá lá). No caso do exemplo a busca por tesouros não é um fim em si mesma, mas um meio para alcançar um fim - um fim nobre, inclusive, poderia-se acrescentar.

Nem tudo que vive merece morrer

Mas há algo além. Sobretudo no universo OSR a mecânica de XP por Ouro tem ganhado bastante ênfase por romper com a tendência homicida dos jogadores, que tendem a ver todo conflito como se a única solução possível fosse a chacina.

Como discutimos em uma postagem anterior a letalidade do combate nas edições antigas (e retroclones) força os jogadores a pensarem fora da caixa, a não encararem todo conflito como necessariamente um combate. A estimular formas criativas de contornar os conflitos.

E, nesses casos, a mecânica é a seguinte: o grupo recebe XP por tesouros (moedas, joias, gemas - não itens mágicos, que já são uma recompensa em si mesmos) trazidos de volta para a civilização. Em alguns casos aponta-se a necessidade de gastar o ouro para que ele seja convertido em experiência. Particularmente acho uma regra ruim, pois e se os jogadores estiverem acumulando algumas dezenas de milhares de moedas para iniciar a construção de um castelo? Devem ficar sem ganhar experiência e, quando vierem a fazê-lo, subir vários níveis (potencialmente) de uma única vez?

Penso que a mecânica de trazer o tesouro para a civilização é mais que suficiente para emular esse tipo de jogabilidade e permitir aos jogadores uma evolução "não-combatocêntrica", estimulando  e premiando estratégia, criatividade e ousadia.

Com isso, então, finalizamos essa série, que procurou promover meramente uma discussão inicial sobre a temática e, de maneira alguma, esgotá-la. Esse vídeo do Questing Beast também lança alguns argumentos bem interessantes sobre a questão.

Bom, creio ser isso. Dúvidas e sugestões podem ser deixadas abaixo no campo dos comentários. Até mais!