segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Matando os jogadores (ou, melhor dizendo, os personagens)!

Saudações masmorreiros e masmorreiras!

Dos tópicos levantados na postagem original "O que é Old School Gaming?" dois deles estão profundamente imbricados: o combate como algo memorável e perigoso e a letalidade das edições antigas.

Na postagem anterior destacamos mecânicas que visam evitar o combate (Reação), abreviar o combate (Morale) ou abandonar o combate (Evasão). Mas não tratamos a questão subjacente, ou seja: quais as razões (se é que há alguma) por trás da letalidade das edições antigas?


Seja esse o objetivo original ou não, o fato é que isso acaba por inserir uma abordagem extremamente interessante: a alta letalidade do combate faz com que os jogadores pensem em soluções inusuais, criativas, corajosas, para lidar com as dificuldades que são colocadas diante de si. Tornando o combate algo potencialmente mais escasso e significativamente mais letal, o resultado é que ele acaba se tornando significativo, memorável. O clímax de uma sessão de jogo (ou mesmo de um conjunto de sessões), e não praticamente a única razão de ser do sistema.

Um pressuposto importante aqui é o de que o mundo é um local real. Os RPGs modernos, ao adotarem uma perspectiva narrativa, centrada ao redor dos personagens, tendem a adotar a estranha noção de que tudo que acontece no mundo parece, estranhamente, se relacionar com os personagens. Não há nada significativo acontecendo por trás das cortinas.

Os caminhos que o grupo opta por seguir coincidentemente coloca diante de si somente inimigos com Nível de Desafio (Challenge Rating - CR) compatível ao estágio atual do grupo. Uma abordagem oposta a isso é tornar o mundo um local dinâmico, vivo, real - coerente. Aquilo que o velho Aristóteles chama, na sua Poética, de verossimilhança.

De acordo com esse preceito, nada impede um grupo de aventureiros iniciantes de encontrar um Dragão Vermelho. Mas... seria realmente sábio da parte deles buscar enfrentá-lo de peito aberto? Para jogadores acostumados com uma abordagem narrativa, é provável que esse seria o curso de ação adotado. Implicitamente, passa-se o seguinte em suas cabeças "A aventura (ou o DM, no caso de uma aventura customizada) não colocaria um Dragão Vermelho diante de nós se não conseguíssemos enfrentá-lo... talvez chegue algum reforço, talvez ele já esteja machucado, vamos lá!".

Esse foi um dos grandes equívocos do Hoard of the Dragon Queen, primeira parte da campanha Tyranny of Dragons, que inaugurou a 5ª edição de D&D. Sem entrar em muitos SPOILERS, logo no início da aventura surge um Dragão Azul atacando a cidade. A reação imediata da maioria dos jogadores foi a de encará-lo - o que levou muitos aventureiros a jornadas épicas não tão épicas assim!

Cumpre destacar que o elemento narrativo não está ausente do estilo old school de jogo. A diferença, porém - e isso faz toda diferença -, é que a narrativa surge como resultado das consequências das ações dos jogadores sobre o mundo. É o que alguns chamam de narrativa emergente, que é assim chamado por surgir espontaneamente durante a (e por meio da) sessão de jogo. Ou seja, não existe previamente uma "história" na cabeça do DM pela qual os jogadores desfilarão. As possibilidades são potencialmente infinitas na medida em que a campanha é guiada pelas ações dos jogadores.

Ok, mas e a letalidade?

Tim Kask, que possui um canal de YouTube e que é um dos jogadores de RPG mais antigos do mundo, que testou a versão alpha do D&D original (OD&D) e foi o primeiro funcionário contratado pelo Gary Gygax, conta, em um dos seus vídeos (infelizmente não vou lembrar em qual precisamente) que uma outra prática que amenizava a letalidade do jogo era o fato de que os jogadores possuíam um pool de personagens à sua disposição.

Pois, além de tudo, com uma recuperação natural de 1d3 pontos de vida por dia, nem sempre todos os personagens estavam em condições propícias para sair em aventuras. O que demandava um rodízio entre os personagens, potencialmente reduzindo o apego. Pessoalmente planejo permitir que cada personagem role de 2 a 3 personagens. Em tese serão NPCs, mas que podem ser "promovidos" à condições de personagens mediante... digamos assim, a necessidade. E, para além disso, existe também possibilidade de contratar hirelings (contratados? mercenários? não consigo pensar em uma boa tradução).

Claro, nas edições antigas o fato de que os personagens morriam automaticamente ao chegarem a 0 pontos de vida (ou quando falhavam em algumas Salvaguardas, como veneno, por exemplo) ajuda a tornar a morte de personagens muito mais recorrente que nas edições modernas.


Mas vários relatos dão conta de que uma regra da casa bastante utilizada é a que permitia pontos de vida negativos até determinado ponto (= Constituição, por exemplo). Nos meus jogos penso em adotar o seguinte: modificador de Constituição + nível. Creio ser um bom meio-termo. O jogo continua sendo bem letal, como deve ser quando encaramos o combate como algo significativo.

Para quem conhece a língua inglesa, recomendo bastante que assistam a esse vídeo do canal Questing Beast, intitulado "Running Combat as War". Que basicamente retoma a ideia de que, enquanto nas edições modernas o combate é visto como um esporte, nas antigas é muito mais puxado para o lado da guerra - algo brutal, impiedoso. E que, por consequência, permite aos jogadores pensarem em soluções alternativas (utilizando a geografia, o inventário, etc) para lidar com o combate.


Por fim, ouvi em algum lugar (não lembro agora se foi em algum dos canais citados acima ou se foi no também ótimo canal do Jim Murphy) a seguinte explicação: nas edições modernas (Pathfinder consegue piorar isso) leva-se 3-4 horas para criar um personagem, para concluir a ficha. Pra depois chegar na sessão de jogo e, em 10 minutos, perder o personagem? O jogador está mais que certo de reclamar e de questionar o DM!

Bom, creio ser isso. Quaisquer dúvidas, sugestões ou observações, é só deixar um comentário.

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